No Paraná, mais de 100 espécies de animais correm perigo crítico de extinção
28/10/2025
(Foto: Reprodução) Proteger a biodiversidade é a 'chave' para salvar os ecossistemas, afirma biólogo
No Paraná, animais simbólicos como o tamanduá-bandeira, a onça-pintada, a anta e o veado-campeiro estão mais ameaçados de extinção do que em nível nacional. No total, 116 espécies foram classificadas como Criticamente em Perigo (CR) pelo Livro Vermelho da Fauna Ameaçada no Estado, atualizado em 2025.
De acordo com o estudo, espécies classificadas como Criticamente em Perigo “estão enfrentando um risco extremamente elevado de extinção na natureza”. Esse é o último grau de classificação antes de um animal ser considerado regionalmente extinto.
As maiores ameaças à fauna paranaense são a caça ilegal, o desmatamento e a expansão agrícola sobre florestas, como detalha Roberto Fusco, biólogo e coordenador do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar.
✅ Siga o canal do g1 PR no WhatsApp
Quando o recorte é o Brasil inteiro, a maioria desses animais é considerada Vulnerável (VU) — dois níveis abaixo na escala de risco de extinção. O estudo analisou mais de 5 mil espécies, entre mamíferos, aves, répteis, anfíbios, insetos e outras classes do reino animal.
Ameaças
A degradação e fragmentação das florestas geram várias “ilhas” de mata espalhadas pelo estado e quase desconectadas entre si.
As maiores áreas de preservação estão nas duas pontas do Paraná, separadas por 750 km: no leste, a Serra do Mar, o Vale do Ribeira e o litoral; e no sudoeste e noroeste, os Parques Nacionais do Iguaçu e de Ilha Grande.
Segundo o MapBiomas, na última década, a Mata Atlântica perdeu quase 400 mil hectares, o que equivale a mais de 560 mil campos de futebol. De 1985 até agora, foram 3,5 milhões de hectares desmatados — área duas vezes maior do que as 29 cidades da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) juntas.
Animais como a onça-pintada e o cachorro-vinagre, em risco crítico de extinção no estado, precisam de grandes territórios para a reprodução, variedade genética e caça. “Uma onça-pintada pode ter uma área de vida de 10 a 50 mil hectares”, explica Fusco.
A degradação das florestas ameaça também grandes herbívoros. A população do cervo-do-pantanal, ameaçada pela construção de barragens e caça ilegal, é inferior a 250 indivíduos no Paraná. “São poucos fragmentos no interior do estado que você pode encontrar a anta ou o queixada, mas completamente isolados, dispersos”, afirma.
“Essas espécies estão enfrentando retração severa de suas populações por perda de habitat, bem como intensa atividade de caça, mesmo em UCs [Unidades de Conservação]”, aponta o estudo.
Doenças e zoonoses
Com a perda de habitat, a fauna nativa fica também mais vulnerável a doenças. O Livro Vermelho da Fauna Ameaçada indica que primatas como o bugio-ruivo, o bugio-preto, o muriqui e o mico-leão-da-cara-preta são sensíveis à febre amarela, doença viral transmitida através de mosquitos infectados com o vírus.
Onça-pintada está na lista de animais em risco crítico de extinção no Paraná
Lucas Eduardo Araújo Silva
O relatório afirma que “a febre amarela pode causar a extinção local de bugios, sendo os primatas não humanos mais sensíveis à doença, apresentando alta morbidade e alta mortalidade”.
Criações domésticas, como o gado, ameaçam animais silvestres com a transmissão de zoonoses. A onça-pintada e o cachorro-vinagre são afetados pelo vírus da raiva, leptospirose e toxoplasmose. “A degradação do habitat e a proximidade com animais domésticos propiciam o contágio”, explica o Livro Vermelho.
Parasitas e doenças que afetam rebanhos bovinos, como a língua azul, são transmitidas por meio de pastagens para herbívoros nativos, como o veado-mateiro, a anta e o cervo-do-pantanal. A esporotricose, infecção grave conhecida por atingir gatos domésticos, pode contagiar felinos como a jaguatirica, a onça-parda e o gato-mourisco quando animais de estimação entram em contato com regiões de mata.
Espécies invasoras
Uma das espécies invasoras mais danosas à fauna brasileira é o javali, originário da Eurásia e norte africano. O caititu e o queixada, porcos nativos do Brasil, competem diretamente com o animal exótico por alimento. “Por onde ele passa, vai acabando com tudo”, explica Fusco.
De acordo com o biólogo, javalis invadem áreas abertas, como campos e lavouras. Essa é uma das razões para a espécie não ser encontrada em regiões de mata preservada, como a Serra do Mar e o Parque Nacional do Iguaçu.
População do veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus) é inferior a 250 indivíduos no Paraná, aponta relatório
Tonn Viana
“Aí tem uma outra vantagem de você estar conservando e recuperando áreas de floresta, também para evitar que esse bicho se propague mais ainda”, aponta. Além da competição, o relatório aponta que a caça aos javalis expõe outros animais à ameaça humana, em especial antas, cervos e outros herbívoros.
Expansão agrícola
A maioria das áreas degradadas ao longo das últimas décadas no Paraná foi convertida para uso da agropecuária: hoje, são 13 milhões de hectares dedicados ao setor, enquanto a área urbanizada no estado é de 318 mil hectares. De acordo com o MapBiomas, 26% do território paranaense ainda é coberto por florestas, enquanto a pecuária e a agricultura ocupam quase 70% das terras.
No Livro Vermelho da Fauna Ameaçada, há pelo menos 59 espécies cuja ameaça de extinção está diretamente relacionada à expansão e aos impactos da agropecuária, uso de agrotóxicos ou conversão de habitats para fins agrícolas e de pastagem.
O motor da expansão predatória é a soja. Segundo o MapBiomas, de 1985 até hoje, a área dedicada à monocultura no Paraná aumentou cerca de 3,5 vezes: de 1,6 milhão para 5,7 milhões de hectares ocupados.
Initial plugin text
O estudo destaca a conversão de campos naturais em plantações de pinus e eucalipto entre os fatores que colocam espécies como o tamanduá-bandeira em risco. O uso de agrotóxicos para controle de formigas, incêndios e atropelamentos também figuram entre as ameaças à existência do animal no estado.
Em relação aos polinizadores, dez espécies de abelhas estão sob risco de extinção no estado e uma está regionalmente extinta, entre mamangavas, abelhas-das-orquídeas e abelhas-sem-ferrão. O risco se dá, em especial, pela perda de habitat para monocultura, pastagem e silvicultura (pinus e eucalipto).
Outras ameaças são o fogo e o uso de pesticidas e agrotóxicos. Espécies que constroem ninhos na terra, como as mombucas, estão ainda mais sujeitas às alterações humanas do solo. Além das abelhas, 11 espécies de anfíbios podem desaparecer na região — 10 deles são endêmicos, o que quer dizer que só existem em território paranaense.
'A biodiversidade é a chave'
Para Roberto Fusco, ações de conservação e proteção dos habitats estão entre as estratégias mais importantes para o combate ao risco de extinção da fauna nativa. O Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar atua em um dos maiores remanescentes do bioma no Brasil e concentra esforços na preservação de animais como a onça-pintada, a anta, e o queixada.
“Pegando toda a Serra do Mar do Paraná mais a parte de São Paulo, que dá uma área de 1.700.000 hectares, a gente estima 25 indivíduos, o que é muito baixa com uma área grande dessa”.
De acordo com a estimativa, a Mata Atlântica da Serra do Mar seria habitada, aproximadamente, por uma onça-pintada a cada 68 mil hectares.
“A biodiversidade é a chave em todo esse processo”, afirma Roberto Fusco.
Para além de proteger as espécies, Fusco afirma que a preservação da biodiversidade é essencial para garantir a existência de ecossistemas inteiros. “A proteção de florestas com toda a sua biodiversidade previne a propagação de doenças, zoonoses. Os animais ele tem um papel fundamental na qualidade do solo, na qualidade da floresta”, explica.
O biólogo explica como o desequilíbrio gerado pela extinção de espécies importantes afeta, além da fauna e flora, a população humana e o superaquecimento do planeta.
“Herbívoros, de um modo geral, têm um papel muito importante na dispersão de sementes de árvores para recuperação, e essas árvores são aquelas que conseguem capturar a maior quantidade de CO2 [gás carbônico, um dos responsáveis pelo efeito estufa]”, afirma.
Anta e filhote flagrados por câmera na Mata Atlântica da Serra do Mar
Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar
Sobre o Livro Vermelho
O Livro Vermelho da Fauna Ameaçada classificou 5.087 espécies. Dessas, 339 foram classificadas sob risco de extinção. O estudo foi realizado pelo Instituto Água e Terra (IAT) e pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Sustentável (Sedest).
As categorias de risco de extinção, em ordem crescente de gravidade, são: Menos Preocupante (LC), Quase Ameaçada (NT), Vulnerável (VI), Em Perigo (EN), Criticamente em Perigo (CR) e Regionalmente Extinta (RE), Extinta na Natureza (EW) e Extinta (EX).
O relatório aponta para oito espécies hoje extintas no estado do Paraná. Quase todas são aves, como a bandoleta, o pato-mergulhão e o pararu-espelho. Uma espécie de abelha, a mandaçaia-do-chão, também não existe mais na região.
O g1 procurou o IAT e Sedest, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
*Com colaboração de Rodrigo Matana, estagiário do g1, supervisionado por Douglas Maia.
VÍDEOS: Mais assistidos do g1 Paraná
Leia mais notícias no g1 Paraná.