Verba de emendas parlamentares da Câmara de Ipojuca foi desviada para associações fraudulentas de outras cidades, aponta inquérito
28/10/2025
(Foto: Reprodução) Documento detalha esquema de desvio de verba de emendas parlamentares da Câmara de Ipojuca
A Polícia Civil e o Ministério Público seguem investigando um esquema de desvio de emendas parlamentares na Câmara Municipal de Ipojuca, no Grande Recife (veja vídeo acima). As apurações indicam que os recursos públicos foram destinados a associações de fachada localizadas em outros municípios, sem estrutura ou competência técnica para executar os projetos contratados.
A TV Globo teve acesso ao relatório do inquérito. Segundo o documento, entre as entidades investigadas, estão a Associação de Skate de Pernambuco, com sede em Paulista, na Região Metropolitana, e o Instituto de Gestão de Políticas do Nordeste (IGPN), sediado em Catende, cidade da Zona da Mata Sul que fica a mais de 100 quilômetros de Ipojuca.
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O esquema envolvia o uso de emendas parlamentares impositivas, instrumento pelo qual vereadores destinam parte do orçamento municipal, geralmente em torno de 2% da Receita Corrente Líquida, para projetos e áreas específicas. No caso investigado, os recursos deveriam ser aplicados em serviços de saúde em Ipojuca.
A investigação começou em 2024, quando a polícia recebeu uma denúncia de que a Associação de Skate de Pernambuco, localizada a 75 km da cidade, ia receber mais de R$ 5 milhões. Diante dos indícios de irregularidade, os recursos foram redirecionados para outras instituições; entre elas, o IGPN.
O IGPN foi o maior beneficiário das emendas parlamentares, recebendo mais de R$ 6 milhões em menos de um ano. Contratado para atuar na área de saúde mental em Ipojuca, o instituto foi criado em Barreiros, outra cidade da Zona da Mata Sul, e, recentemente, teve sua sede transferida para Catende.
A TV Globo esteve em Catende e conversou com moradores da cidade, que relataram desconhecer o funcionamento da entidade. A polícia não encontrou funcionários no local indicado como sede.
Três pessoas ligadas à instituição tiveram a prisão preventiva decretada e estão foragidas:
Geraílton Almeida da Silva: considerado um dos principais articuladores do esquema, ele teria criado o IGPN e cooptado seus próprios funcionários para atuarem como “laranjas” e, depois, destituiu os colaboradores, passando a controlar a entidade por meio de pessoas próximas;
Júlio César de Almeida Souza, primo de Geraílton e apontado como diretor financeiro do IGPN;
José Gibson Francisco da Silva, presidente do instituto.
"Ele [Geraílton] cedeu o local que pertencia a ele, em Barreiros (cidade da Zona da Mata Sul) e ficava em frente à sua loja de material de construção. Pegou seus funcionários e colocou como presidente e vice do instituto. Posteriormente, ele destituiu todos os funcionários e quem passa a gerir a associação são as pessoas ligadas a ele, que são de Catende, local para onde eles transferem a associação", explicou o delegado Ney Luiz Rodrigues.
Outros suspeitos
Outro suspeito procurado é Gilberto Claudino da Silva Júnior, representante do Instituto Nacional de Ensino, Sociedade e Pesquisa (Inesp), também conhecido como Complexo Educacional Novo Horizonte do Ipojuca.
De acordo com a denúncia, o Inesp recebeu repasses milionários do IGPN para cursos de capacitação, com planos de trabalho considerados inconsistentes e orçamentos inflados. Segundo a polícia, Gilberto fugiu horas antes do cumprimento de um mandado de prisão preventiva.
Até o momento, três pessoas foram presas: Maria Netania Vieira Dias, esposa de Gilberto Claudino e responsável pela elaboração dos projetos das associações; e as advogadas Edjane Silva Monteiro e Eva Lúcia Monteiro, irmãs que atuavam na Rede Vhida, outra instituição usada para desviar recursos, segundo as investigações.
Conforme as investigações, Edjane e Eva desempenhavam papéis centrais no esquema, atuando como elo entre as associações envolvidas. A Polícia Civil investiga também a possível participação de vereadores no esquema.
Câmara de Vereadores de Ipojuca, no Grande Recife
Reprodução/TV Globo
O que diz a Câmara de Ipojuca
Procurada, a Câmara de Vereadores de Ipojuca informou, por meio de nota, que no ano de 2023, destinou emendas para a Associação Pernambucana de Saúde, mas que, por falha de funcionário do setor, o CNPJ que seguiu no documento foi o da Associação de Skate. A instituição disse que adotou medidas para garantir que esse tipo de erro não se repita.
Segundo a Câmara, o setor de análise da Prefeitura de Ipojuca constatou, na época, que o CNPJ não correspondia ao nome da instituição indicada e acionou o Legislativo municipal.
Após ajuste, de acordo com o órgão, as emendas foram destinadas para um novo destinatário: a Associação Filhos de Ipojuca, que trabalha por meio de emendas parlamentares desde 2019 e fornece serviços de saúde nas áreas de pediatria, cardiologia, clínica geral, psiquiatria, entre outras.
A Câmara de Vereadores afirmou, ainda, que vai adotar novas medidas de controle da destinação de emendas parlamentares, como:
recomendação disciplinando o processo interno de aferição de capacidade mínima e idoneidade das instituições beneficiadas;
obrigatoriedade de realização de curso de capacitação por parte dos membros das entidades;
oferecimento de cursos pela Escola Legislativa da Câmara do Ipojuca, destinado a membros diretivos de OSC’s e funcionários do Legislativo e do Executivo municipais.
A Câmara Municipal informou também que, até o momento, não foi procurada pela Justiça e que, nem a Casa Legislativa nem qualquer vereador são objetos de medida judicial.
O que dizem as defesas dos investigados
O advogado Elmo Monteiro, que faz a defesa das advogadas Edjane Silva Monteiro e Eva Lúcia Monteiro, afirmou à TV Globo que aguarda o julgamento de habeas corpus e que a prisão é injusta e descabida.
"São advogadas e foram presas no exercício da profissão. O nosso estatuto da advocacia dá direito a prisão especial. Neste caso, como não há uma sala de estado maior no sistema prisional, especificamente nas prisões femininas, então o juiz poderia aplicar medidas cautelares diversas da prisão preventiva", disse.
Já a defesa de José Gibson Francisco da Silva e Júlio Cesar de Almeida Souza declarou que houve "graves omissões na investigação que induziram o Poder Judiciário a erro". Segundo a defesa dos investigados, foram formuladas durante o processo "acusações gravíssimas" sem realizar diligências básicas de verificação, demonstrando precipitação e ausência de rigor técnico.
A defesa de José Gibson e Júlio Cesar disse, ainda, que o inquérito está sob sigilo e afirmou que os dois "são inocentes e mantiveram condutas profissionais regulares em conformidade com a lei".
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